Jesus. Uma Análise

 - Djalma Argollo -

Existem duas coisas ilusoriamente iguais, mas realmente diferentes: os ensinos de Jesus e o Cristianismo. Os primeiros estão nos Evangelhos que se dividem em dois grupos: os sinópticos - isto é, que podem ser colocados em colunas paralelas e abarcados com um olhar - e o de João. Nos sinópticos tem-se um retrato de Jesus plano e sem muitos retoques. Simplificam a vida missionária do Mestre, fazendo-a parecer composta de duas atividades distintas: A primeira parte na Galiléia e a segunda e última na Judéia, culminando na prisão, julgamento e morte em Jerusalém.

Os sinópticos pertencem ao intervalo que vai do ano 37/38 (quando Jesus foi assassinado), até 64, portanto, ao período de 34 anos que se seguiu à morte do Rabi. Apresentam Jesus como uma pessoa notável, dotada de poderes extraordinários, os quais nascem de uma fé tranquila e absoluta. Em geral, narram muitos episódios de sua vida de forma esquemática, aligeirada. Como exemplo temos a vocação dos primeiros discípulos, quase mágica. Jesus os vai encontrando e convidando a segui-lo, o que fazem sem qualquer pedido de esclarecimento. No Evangelho segundo João, ao contrário, os primeiros discípulos do Mestre já o eram de João, o que mergulha, e foi ele próprio quem lhes indicou Jesus. Foram estes, André e João, irmãos de Pedro e Tiago, respectivamente. Eles trouxeram os irmãos que, provavelmente, também eram discípulos do Precursor.

As narrativas no quarto Evangelho são detalhadas, como se descritas por uma testemunha dos fatos, conhecedora da geografia, usos e costumes do lugar onde ocorreram. Todavia, essa obra é um tratado teológico. Como é demonstrado pelos discursos longos e repetitivos que extrapolam os eventos; os parênteses que saturam a exposição, a longa introdução - onde o Mestre é apresentado como o Verbo de Deus e Deus mesmo -, e a insistência em fazer Jesus dizer-se a encarnação de Deus, apesar da contradição com suas afirmações sobre a distinção entre os dois, em diversos lugares do mesmo texto. 

O Cristianismo, por seu lado, é um conjunto sistematizado de conceitos, interpretação e ilações sobre os atos e palavras de Jesus, que estão, em geral, em antagonismo com o que ele disse e fez. Assim é que, normalmente, quem se diz cristão não é um seguidor direto do Cristo, mas de escolas teológicas, cada qual se propondo como sua única e verdadeira representante.

 O Mestre não foi um filósofo, no sentido técnico da palavra, mas um moralista, um reformador religioso. Suas propostas são as mesmas do Judaísmo, escoimadas de distorções que o tempo, ou mesmo sua origem, lhes agregaram. Na verdade, do ponto de vista cultural, deveria ser considerado um “Lutero judaico”, sem o fanatismo e incongruências deste. E nunca se pode esquecer que Jesus nasceu, viveu e morreu judeu. Huberto Rhoden foi feliz ao dizer que se voltar à Terra, Jesus reunirá todos os lideres religiosos e políticos do mundo na ONU, e dirá: Quero declarar a todos que eu não sou cristão! Isto é claro como água pura, pois sua religião foi o Judaísmo. E pelo fato de ter sido judeu, o antisemitismo entre os cristãos é uma contradição flagrante, pois se colocam contra aquele que dizem adorar e servir. Mas, como diz o anexim popular: quem é burro pede a Deus que o mate e ao diabo que o carregue!

 

As diferenças entre os ensinamentos de Jesus e as doutrinas do Cristianismo são inúmeras. Muitas vezes se mostram em conflito aberto com o que ele disse e fez, exporemos, a seguir, algumas dessas diferenças. Exporei abaixo a doutrina de Jesus tal como ela aparece nos Evangelhos e, após, a doutrina defendida pelo Cristianismo, para que se perceba a diferença entre elas.

Igual a seus conterrâneos, Jesus tem como indiscutível a existência de um Deus criador e presente no cotidiano da criação. Existe porém entre seu conceito da Divindade e o de seus irmãos de raça uma diferença fundamental: em vez de um guerreiro cruel ou um déspota pretensioso e arrogante, sempre pronto a castigar; seu Deus respeita a liberdade dos seres criados; é amor, bondade, misericórdia e justiça. Sua justiça, todavia, é sempre aplicada de acordo com os atributos citados.

 Ensinou que os homens possuem livre-arbítrio podendo escolher entre o bem e o mal, mas se responsabilizam pelas consequências das escolhas. São agraciados ou castigados por suas próprias ações, cabendo-lhes o mérito final da felicidade ou desgraça que venham a usufruir. As ações não se restringem às atuações externas, mas também às internas. Emoções e pensamentos, impulsos e sentimentos, fazem parte da aferição do que foi praticado na existência.

 Deus não faz um julgamento definitivo dos homens por um ou alguns dos seus atos, mas pelo conjunto deles, valorizando a mudança de comportamento que venham a imprimir em suas existências. Por isso, um criminoso, arrependendo-se dos delitos cometidos e reformando-se moralmente, é objeto da solicitude e compreensão Divinas. Mas a mudança moral deve ser sincera e acompanhada de atos internos e externos compatíveis com a nova postura. Não é suficiente crer, é necessário viver os ensinos que ele, Jesus, ensinou.

 O mérito das ações está na sinceridade de propósitos de quem age. Isto é fundamental. Não basta que se tenham atitudes honestas, mas que se seja interiormente honesto. Não ser criminoso é importante, mas é necessário não ter desejos ou pensamentos criminosos. Mas, tão ou mais grave do que cometer um assassinato é agredir o próximo com insultos e menosprezo. É lógico que não se deve cometer adultério explícito, mas também não se o deve fazer nem em pensamento, nas fantasias eróticas habituais da inconsequência humana. Em outras palavras, é preciso ser, e não parecer, virtuoso.

 A fraternidade deve ser a norma de conduta de todos. Pois o Amor é a solução aos problemas coletivos e individuais. É necessário amar Deus sobre todas as coisas, mas o amor ao próximo é, em substancia, semelhante ao amor a Deus.

Deus é, finalmente, o modelo pelo qual os seres humanos devem moldar sua conduta, procurando ser perfeito como Ele o é. Este aperfeiçoamento, portanto, é contínuo e interminável.

Jesus ensinou, com atitudes, que ninguém deve se subordinar aos preconceitos e dogmas das crenças, porque são criados por homens falíveis e, em sua maior parte, aproveitadores e mesquinhos.

                       
 



 

 


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