Transe e Sintonia

- Kleber Monteiro -

É comum aparecer tanto em filmes de ficção e documentários quanto em fotografias que registram rituais religiosos, envolvendo magia, sortilégios, contato com os mortos, os feiticeiros ou possuídos com os olhos revirados e se debatendo em convulsões. "Haiti - Os Espíritos na Terra" é uma exposição de fotografias feitas pelo espanhol Luis Acalá Del Olmo que retrata corpos em transe. Houve a necessidade de estabelecer uma classificação indicativa a partir dos 14 anos devido ao impacto das imagens, nas exposições pelo Brasil.

            Em face dessa generalização do transe por meio de imagens ligadas a rituais religiosos, de matriz animista, o que costuma vir à tona para a maioria das pessoas quando se fala em transe é uma anormalidade associada ao histerismo. Mas, não é bem assim que as coisas são de fato. Nós vamos encontrar nas pesquisas de cientistas que se interessaram pelo fenômeno psíquico, a exemplo de Albert de Rochas, um processo de transe sem crises histéricas e só diferenciado do sono comum em função dos fenômenos que propiciou.

            No livro “A Vidas Sucessivas”, De Rochas descreve o estado característico do sonambulismo, conforme foi observado em suas pesquisas: “O sujet parece uma pessoa desperta gozando de todas as suas faculdades, no entanto é bastante sugestionável e apresenta o fenômeno da insensibilidade cutânea, que persiste em todos os estados seguintes. A memória é normal.” Como se pode vê, não há contorcionismos nesse caso.

            A questão dos registros desse tipo de estado psíquico ao longo da história é apenas a expressão de um fato natural decorrente dos mecanismos da mediunidade. O fundador da Antropologia Criminal, César Lombroso, escreve, em seu livro “Hipnotismo e Mediunidade”, um pequeno capítulo sobre o que chamou de fabricação artificial de médiuns e bruxos. Quando, informa o pesquisador, escasseavam os médiuns, profetas ou bruxos, vários povos se utilizavam de meios que induzissem indivíduos predispostos a expressar tais faculdades, com o uso de técnicas que incluíam os alucinógenos.

            Nos labirintos de um penhasco de Delfos, por exemplo, os oráculos se serviam de vapores gasosos que emanavam de algumas fendas para provocar o profetismo. No “Rig-Veda”, livro sagrado do Induísmo, encontra-se a seguinte passagem: “Havíamos bebido o soma, fizemo-nos imortais, entramos na luz.” O soma corresponde a uma bebida só permitida aos Brâmanes. Há muitos outros casos de práticas semelhantes ao longo do tempo e em diversas regiões.

            Entre os que não faziam uso de alucinógenos para entrar em transe, bastava criar a condição mais adequada de concentração e uma espécie de alheamento da realidade imediata. O pesquisador italiano Ernesto Bozzano, em “Povos Primitivos e Manifestações Supranormais”, fala de operação Mágica, cuja função seria levar à auto-sugestão e fazer emergir as faculdades supranormais subconscientes, onde ele incluía a mediunidade. Segundo Bozzano, jogar cartas ou ossos, olhar no cristal, ou no copo, ou na clara de ovo, ou na borra de café, são métodos empíricos eficientes para os que acreditam cegamente em seu poder mágico.

            Assim como a energia vital, o transe foi um outro fator imprescindível verificado nas práticas mediúnicas. Sem ele não é possível a expansão ou a emancipação do perispírito, no qual se estabelecem os pontos de contato com o Espírito que se comunica. Na prática, é essa condição a tão avidamente almejada entre os que se decidiram e decidem entrar em contato com os Espíritos e despertar faculdades latentes, quando não se encontra indivíduos naturalmente dotados para tanto. Foi a essa disposição natural capaz de promover fatos espíritas objetivos que Herculano Pires denominou de Mediunidade Dinâmica.

            O pesquisador espírita Carlos Bernardo Loureiro dá uma sucinta explicação sobre o transe, com observações muito pertinentes em um texto que escreveu sobre a mediunidade: “O transe (do latim: transire – passar de um estado a outro) seria uma condição de ‘sono aparente’, com marcantes características fisiológicas. A verdadeira natureza do transe é desconhecida. Cada pessoa tem sua própria experiência.

            Esse sono aparente, pois é um estado alterado de consciência, que se caracteriza pelo distanciamento mais ou menos profundo da vigília, da condição de “acordado”, apresenta características fisiológicas marcantes, como foi observado na citação acima. Essas características vão desde uma insensibilidade cutânea ou anestesia até um enrijecimento e diminuição de temperatura no corpo.

            O famoso médium Daniel Douglas Home faz a seguinte declaração, perante a Comissão da Sociedade Dialética de Londres, sobre o seu estado quando se manifestava a sua faculdade mediúnica:

            “Eu me sinto por dois ou três minutos em um estado de sonho, em que me sinto bastante tonto, perdendo, em seguida, toda a consciência. Quando eu acordo, encontro meus pés e membros frios e é difícil restaurar a circulação. Tudo isso é desagradável para mim. Eu solicito dos presentes que, durante aquele momento de retorno do transe, não me relatem o que aconteceu. Eu próprio duvido do que eles me contam.”

            Outro exemplo que pode dar mais clareza a essas possíveis alterações no corpo pode ser observado na descrição que César Lombroso faz do transe de Eusápia Paladino:

            “No início do transe, sua voz é rouca. E todas as secreções, lágrimas, suores e mesmo a secreção menstrual, aumentam. Hiperstesia é sucedida por anestesia. Os movimentos reflexos das pupilas e tendões ficam ausentes. Os movimentos respiratórios decrescem, passando de 18 inspirações para 15-12 por minuto; os batimentos cardíacos aumentam de 70 a 90 e a 120. As mãos são tomadas por contrações e tremores. As juntas dos pés e das mãos são dominadas por movimentos de flexão e extensão e por alguns momentos se tornam rígidos.

            A descrição continua e as características físicas vão se diferenciando à medida que a médium apresenta faculdades ou dá ensejo a fenômenos diferentes. Mas, o objetivo não é traçar todos os estágios do transe, seja o de Eusápia ou de qualquer outro médium. Seria interessante, é claro, conhecer o maior número de casos, porém é preciso lembrar-se da observação de Bernardo citada acima, ou seja, a natureza do transe ainda é desconhecida e cada pessoa tem a sua própria experiência.

            Os estudos acerca do transe ainda estão em aberto e desafiando a todos os que lidam com a mediunidade. O que se procura entender são os seus aspectos gerais que perpassam qualquer experiência pessoal, para sabermos usar a faculdade mediúnica de forma segura e com o fim de contribuir mais substancialmente para o conhecimento e o progresso moral.

            Quanto à sintonia, recorremos ao texto de Carlos Bernardo Loureiro mais uma vez, por se tratar de uma exposição clara e precisa:

            “Sintonia é a identidade ou harmonia vibratória, isto é, o grau de semelhança das emissões ou radiações mentais de dois ou mais Espíritos, encarnados e desencarnados.

            A sintonia tem como fundamento a afinidade moral. Nos casos de obsessão, por exemplo, o processo decorre de uma imperfeição moral. Daí Allan Kardec afirmar, terapeuticamente: ‘A uma causa moral, é preciso que se contraponha uma força moral’.

            A posição do Espírito e suas relações com os outros Espíritos decorrem de suas características morais. Quer dizer – conforme seu ‘modus vivendi’ e ‘operandi’. Há, até a propósito, um aforismo de fundo eminentemente moral, que sentencia: ‘Diz-me o que pensas e dir-te-ei com quem andas’. Nada mais justa essa assertiva, que traduz em síntese o processo de SINTONIA. Nesses casos, prevalece o seguinte: ‘Os semelhantes se atraem e os contrários se repelem’. Temos, pois, a companhia espiritual que, intimamente, desejamos...

            Atualmente, esses dois aspectos devem ser pesadamente considerados em face dos fenômenos psíquicos. A prática mediúnica pautada no conhecimento torna desnecessário qualquer aspecto exterior característico de rituais de fé. Um ambiente espírita ou não-espírita marcado pelo estudo, disciplinado e crítico, e fundamentado na ética, no "ama ao próximo como a si mesmo", torna mais fácil e seguro o transe e garante a sintonia ideal para lidar com faculdades ainda pouco conhecidas e não dominadas pelo homem.


 


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